quarta-feira, 17 de junho de 2009

POR QUE O FUTEBOL SEPARA?


A crônica abaixo é inspirada em fatos reais. Depois de tanto tempo sem postar nada por aqui, não achei lugar melhor para dividir com você uma história ocorrida em uma manhã fria de sábado.

Porto Alegre - Dirijo-me ao estádio Beira-Rio para me associar ao Internacional. Com alguma sensibilidade, talvez você, leitor, perceba neste singelo depoimento o retrato mais horrível da cultura de alguns torcedores brasileiros.

Muitas vezes, os amantes do futebol ficam se perguntando quando chegará o dia em que os nossos estádios se parecerão mais com os palcos europeus. Não somente pela estrutura, mas pelo convívio harmonioso entre as torcidas, sentadas muitas vezes juntas, próximas ao gramado, sem fossos e arames farpados. Pelo que vi no último sábado, esse dia demorará a chegar.

Como esperava, encontrei um longa fila no Centro de Atendimento ao Sócio. Assim como eu, muitos gostariam de regularizar a situação ou se associar ao clube para garantir um lugar na final da Copa do Brasil. Era uma manhã cinzenta e fria, pouco barulho, a cidade ainda parecia despertar. Um cenário formado por torcedores vermelhos vestindo suas mantas, toucas e casacos vermelhos. Apenas uma pessoa destoava daquilo. Um gremista.

Com o abrigo azul do co-irmão, o cidadão acompanhava a esposa colorada, que por sua vez vestia o seu abrigo vermelho. Achei bonito o exemplo. Tivesse eu uma máquina fotográfica, teria registrado a cena. Ambos pareciam felizes e bem-humorados. Os colorados pareciam indiferentes à cena, e a minha tensão logo foi substituída pela idéia de que, sim, chegaria logo o dia em que aquele casal poderia sentar-se junto e fardado com as suas cores em qualquer um dos estádios da dupla Gre-Nal. Mas mudei de idéia.

Um rapaz, gordo, grande, mal-encarado estava na fila, pouco atrás do casal. Encarou ferozmente aquele que parecia ser o seu mais terrível inimigo, uma presa. "Aí cara, vai continuar com esse abrigo aqui? Tem que tirar isso, aqui não é o teu lugar", gritou o delinquente, com o semblante fechado.

"Não precisa. Estou aqui acompanhado da minha esposa, que é colorada", respondeu educadamente o gremista. Os demais colorados permaneciam em silêncio.

"Sei. Fosse eu ir com o meu abrigo no teu estádio, iriam me encher de porrada", retrucou o gordo. Ambiente tenso. Algumas pessoas começam a trocar olhares, outras miram o chão e baixam a cabeça em um claro sinal de constrangimento.

"Eu não. Por mim, tu serias bem recebido, porque eu sou uma pessoa educada", respondeu o mosqueteiro. Touché. O colorado silencia, sem nenhum apoio dos demais torcedores. A discussão acaba. Penso em cumprimentar o co-irmão, mas ele não quer colocar em risco a família. Deixa a esposa na fila na companhia de uma amiga e ele se retira.

Mas é inevitável a sensação de vergonha que o mal-encarado causou. Ele não representa os torcedores colorados, assim como os eventuais arruaceiros que iriam enchê-lo de porrada no Olímpico também não representam o Grêmio. Apesar da alegria da confecção da minha carteira de sócio naquela manhã de sábado, saí do Beira-Rio frustrado. Quanto tempo levará ainda para casais, torcedores de ambos os times, poderem sentar-se juntos nos estádios, usando as camisas azul e vermelha, sem risco algum?