Eram seis horas da tarde de uma sexta-feira. Na tela, o último capítulo de um campeão de audiência. Ninguém queria perder a chance de ganhar alguns pontos naquele espetáculo e, por isso, foi possível acompanhar simultaneamente em várias emissoras, através do rádio, da TV e da Internet, o final daquela mini-série em cinco capítulos.
O nome do programa ninguém lembrava. Por vezes, alguns espectadores não sabiam dizer se se tratava de realidade ou ficção. Os gêneros também se misturavam na cabeça do público, perdido entre uma história de suspense policial e um romance trágico. Pena e raiva se revezavam no coração do público.
A polícia cercava o local com o que tinha de melhor. O namorado cego pela paixão se preparava para devolver a amada e a amiga adolescentes, após mantê-las refém por uma centena de horas. O espectador, acostumado com finais felizes, refestelava-se no sofá de casa e fazia suas apostas com familiares de como aquilo acabaria.
A cena estava viva na mente de todos: o momento em que, por um descuido, o jovem trabalhador sem vícios travestido de criminoso colocaria tão somente o rosto na janela, sem refém, e levaria um tiro mortal, ao vivo. Ou quando o bandido abriria a porta – como o fez tantas vezes – e permitiria o acesso dos policiais ao cativeiro. Rendido e possivelmente ferido o seqüestrador, as duas reféns estariam libertadas. Ou ainda, quem sabe, até mesmo o rapaz se entregando e todos saindo ilesos sob palmas dos vizinhos.
Porém, o público foi frustrado.
Para começar, os policiais ignoraram estas três possibilidades. Os principais narradores da história – apresentadores e repórteres – duvidaram em muito da inteligência dos espectadores. Teve um, acredite, que chegou a afirmar que não havia feridos, no exato momento em que foi possível observar uma das reféns sair ensangüentada.
Chocado, o público se perguntou quais as chances de algo sair tão errado. Mas passados alguns dias, os espectadores retomaram a rotina, e teve até quem se lembrasse que o final absurdo não era tão inédito assim.
Numa quarta-feira, oito anos antes, este mesmo público acompanhou a história de um criminoso que fez 11 passageiros de um ônibus reféns. O impensável também aconteceu. Uma professora tomada como escudo morreu ao vivo, após levar um tiro de um policial e outros três do seqüestrador.
Quando o outro criminoso (aquele das adolescentes) apareceu rendido e sendo colocado a base de socos para dentro de uma viatura, os espectadores também lembraram do que aconteceu com o homem do ônibus. Mas essa parte do final, pelo menos, foi diferente.
Há 4 anos
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