Reportagem é observação. Ponto.
Baseado nesta afirmação, recupero aqui um texto sobre dois excelentes filmes - um clássico e um contemporâneo - em que o exercício da observação é exercido com excelência em ambos os casos. Sem mais delongas...
O que é acontece quando um atento observador pinça diversos elementos de uma determinada realidade, os eleva à enésima potência e depois os reúne? Seria uma caricatura? Com o desprendimento que a liberdade criativa confere aos artistas, foram Charles Chaplin e Constantin Costa-Gavras, dentro de seus limites, também exemplo de observadores. Esse é o ponto em comum observado nos dois filme que tratam sobre o mercado de trabalho, em dois contextos históricos distintos.
A obsessão racionalista em uma linha de montagem automotiva do início do século 20 na América e a paranóia competitiva por uma vaga de trabalho na Europa contemporânea tem mais a dizer do que as trapalhadas de Charles Chaplin transparecem. Ou a tentativa de Bruno Davert em eliminar os seus concorrentes no melhor estilo faroeste. As risadas do público são o retrato desta identificação.
Independente de serem ou não comédias, “Tempos Modernos” e “O Corte” falam sério quando traduzem os elementos que refletem os dramas pessoais dos trabalhadores em suas épocas.
Em uma análise superficial, as trapalhadas do vagabundo para se manter no mercado de trabalho e do seu chefe em elaborar maneiras de evitar que os funcionários percam tempo almoçando são sim apenas engraçadas. Mas é justamente o que ultrapassa os tombos sincronizados que mostra a atualidade do assunto.
Evidentemente que ninguém seria hoje contratado exclusivamente para apertar parafusos na sincronia do relógio, mas e quanto a ser preso por roubar bananas? Ou se sentir desconfortável sob a pressão do olhar do chefe ao parar para ir ao banheiro? Uma rápida busca na internet mostra a crescente onda de condenações trabalhistas de empresas que instalaram câmeras de vigilância em vestiários e banheiros de funcionários.
Surrealismo?
Se “Tempos Modernos” é mais sutil na crítica, o que dizer de Bruno Davert e sua pistola Luger alemã sobre o colo, dentro de um saco de papel, eliminando um por um os seus concorrentes a uma vaga em uma empresa de papel, após dois anos amargurando o desemprego? A pressão é ainda mais sutil, o filme é menos maniqueísta e é difícil descobrir o culpado. Agora, Bruno se vê à frente de colegas que sofrem o mesmo drama, que choram, que sentem vergonha por estar fazendo um “bico” para manterem alguma dignidade e algum dinheiro. A empresa, por sua vez, teve que aderir à política globalizante que impõe a necessidade de se fundir ou desaparecer.
Neste contexto, chutes nos traseiros são substituídos por programas de demissão voluntária que propõe, entre outras coisas, a troca do emprego por ações da nova empresa. Ou seja, o empregado é um dos donos da firma, mas não tem mais o direito de permanecer trabalhando lá. Impotente, o pai de família se distancia dos seus e perde o controle do que os filhos estão fazendo, o casamento afunda e o público ri menos.
Mas como poucos pagam para sofrer no cinema, “O Corte” reserva inteligentes ironias que surpreendem o espectador, graças ao roteiro que distende ao máximo os erros do protagonista até o ponto de causar a impressão de que nada mais deve dar certo. E é justamente esse somatório de trapalhadas que reserva o final feliz, no melhor estilo maquiavélico.
No entanto, até mesmo o que parece ser uma caricatura extrema da crise no mercado de trabalho - a ponto de se matar para conseguir um emprego – encontra eco nos nossos dias.
Em janeiro de 2006, Carolina de Paula Faria dos Santos, então com 22 anos, foi presa em Cubatão (SP), acusada de encomendar a morte de uma colega de trabalho. O motivo: a estagiária queria permanecer na empresa do ramo de petróleo, que não oferecia mais vagas. A vaga tão cobiçada por Carolina, que recebia R$ 600 por mês, era a de assistente de planejamento financeiro, onde era pago o salário de R$ 1,5 mil. Em fevereiro de 2006, em entrevista a uma revista, a criminosa hoje condenada a 30 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado sentenciou: “Ela morrendo, eu poderia ter minha chance”.
Surrealismo?
Há 4 anos
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